[RP FECHADA] — Coffee & Cigarettes —

Se eu estava parecendo uma louca? É, sim, talvez eu estivesse. Minhas botas, encharcadas pela chuva que ia e vinha ao longo do anoitecer, emitiam barulhos engraçados a cada passo que eu dava. A bolsa sobre minhas costas não passava de um objeto acumulador de água e, sem falar nos meus cabelos que mais pareciam chamas apagadas e grudadas em minha pele pálida.

O sweater que me recobria não era o suficiente para amenizar o frio que me envolvia, nem os shorts jeans e, tampouco, as meias que atingiam a parte inferior de minhas coxas. Tudo parecia correr de modo errado. E realmente estava. — Droga! Droga! Droga! Eu só me ferro nessa vida. — Reclamava ao longo do meu trajeto sem rumo, buscando algum estabelecimento vazio e que fosse de meu agrado.

Necessitava de alguma bebida quente, de um lugar aquecido onde eu pudesse sentar e desenhar algo produtivo ou continuar meus estudos a respeito da psicanálise, dos direitos civis e das diferentes minorias espalhadas pelo mundo. Foi aí que algo de bom me aconteceu — eu acho — Era o Starbucks! Sim! Nada melhor do que um bom chocolate quente ou um café para afogar as mágoas.

Foi então que resolvi adentrar aquele recinto entornado, de clima diferenciadamente agradável e que me cederia a tranquilidade de que precisava. Utilizei, portanto, ambas as mãos para empurrar a peculiar maçaneta que ali havia. No entanto, minhas tentativas para que  o caminho me fosse aberto eram falhas. — Nossa, Margot, como você é retardada! — Disse para mim, desviando o olhar para a placa que dizia "Puxe". É, aquele não era o meu dia de sorte.

Como se não bastasse todas as vergonhas que passei no dia, ao adentrar o estabelecimento me deparo com um garoto. "Droga! Ele tá olhando pra mim?" Virei-me para ter o conhecimento do foco daquele que se fazia solitário e observador, entretanto, não havia nada lá fora a não ser a paisagem e o tráfego de pessoas. "Ele não tá olhando pra mim, eu espero que não." Revirei os olhos e suspirei, não percebendo o quão idiota eu estava sendo por estar parada exatamente à frente do moreno com uma cara de confusão.

Minhas bochechas coraram tão imediatamente que nem pude disfarçar. Abaixei o olhar e antes que pudesse medir as palavras, elas já escapavam por entre meus lábios.  — Desculpe-me. — O tom era de um sussurro, e eu realmente esperava que ele não tivesse escutado. Quem sabe ele também fosse voador o suficiente para não prestar atenção em mim?

"É, agora sim ele tá me olhando." Como se imaginasse não ser possível, acabei me surpreendendo com o formigamento no interior de minhas bochechas, obrigando-me a abaixar o olhar e a mover o crânio em negativo. Desejava ser invisível e me esconder daquele menino, e para piorar, ele estava me dirigindo a palavra com uma tranquilidade incomum.

Pigarrei antes de assentir em concordância às palavras emitidas pelo maior, encolhendo meus ombros pelo choque térmico que me envolvia, sendo a clima frio misturado ao razoavelmente aquecido do ambiente. Juntei os dedos de minhas mãos e as repousei sobre meu colo, andando desajeitadamente em direção ao balcão até que o ato alheio chamou minha atenção.

Seus cabelos eram escorregadios e enegrecidos,deslizando por sua pele pálida como pequenas serpentes. O convite era feito em um sotaque gracioso e aparentemente inglês, fazendo-me sorrir sozinha, encantada com o modo que o rapaz falava. Continuei a analisar o seu rosto e os seus cabelos, notando que este desfrutava de sua bebida mesmo esta estando em uma temperatura altíssima. Aquilo me causou arrepios só de imaginar a dor. No entanto, talvez ele fosse um sádico e gostasse daquilo.

Ele me encarava. Eu o encarava. E somente após alguns segundos pude reagir às suas palavras. — Tudo bem. — Disse em um tom quase inaudível e arrodeei a mesa para que me sentasse na cadeira à frente da do rapaz. Continuei a encará-lo como se notasse cada detalhe de seu rosto, pensando em questioná-lo sobre como aguentava beber algo tão quente e, após um tempo, acabei o fazendo. — Desculpe-me, mas... Como você consegue beber isso? Digo. Está muito quente. Dá pra ver a fumaça daqui. — Semicerrei os olhos, movendo meus dedos para cima como se indicasse a evaporação das moléculas.  

Logo, percebi o quão desajeitada estava sendo, e estendi minha mão direita em direção a ele para que o cumprimentasse. — A propósito, me chamo Margot. Margot Dhøriëtz. — Pronunciei em um perfeito alemão o nome que herdei de minha mãe, voltando  analisar o jovem. — E você, como se chama? — Havia uma certa vergonha em minha voz, trêmula, afinal, eu não podia estar em uma situação mais embaraçosa que aquela.

Tudo bem. Aquele menino me dava um pouquinho de medo. Ele estava bebendo café quente, mas não era só um pouco quente. Era realmente quente! Acho que naquele momento fiz uma careta de dor, imaginando o que ele provavelmente sentia ao beber daquilo. Minhas sobrancelhas se franziam e meu olhar o analisava um pouco melhor; e até que ele era bem atraente.

Seus cabelos combinavam perfeitamente com o tom de sua pele, e ele possuía um sorriso escondido no canto de seus lábios, bem escondido mesmo. E eu percebia que ele também me encarava, que me analisava. Chegava a ser engraçado, pois eu estava terrivelmente desarrumada naquele dia. "Talvez ele esteja notando no quão estou parecendo uma maluca" Ri com meu próprio pensamento e então estremeci ao perceber que ele segurava minhas mãos.

As mãos dele eram quentes. Talvez fossem daquele jeito devido à bebida que antes manuseava, ou quem sabe, ele não fosse tão frio quanto aparentava ser. Deixei-me sorrir abertamente para ele, com toda uma serenidade exposta no pequeno ato. — Digo o mesmo! E a propósito, seu sotaque é bem legal. — Ri em um tom baixo, diminuindo a altura de meu olhar com relação a ele.

Logo, meus olhos rolaram por todo o recinto, fazendo uma análise rápida e efetiva de cada coisa ali enquanto pensava em uma resposta. — Bom... Minha mãe sempre me disse que eu não devo falar com estranhos, muito menos aceitar coisas deles. Mas eu já tô fazendo a primeira coisa, então... — Ergui os ombros e os balancei de modo despojado. — Eu aceito. — Tornei o meu sorriso mais discreto, diminuindo-o a uma expressão risonha no canto de meus lábios e voltando a fitá-lo, agora buscando o contato visual direto. — Me diga, o que um inglês nato está fazendo em Washington sozinho? Digo, na companhia de seu café, claro. — Emiti uma risada, apoiando-me sobre a mesa com os cotovelos, mostrando-me interessada sobre o que ele tinha para dizer.  

—Desejo um Cappuccino à base de Chocolate e com um pouco de doce de leite, por favor. — Dirigi o olhar para o moreno e sorri de canto, balançando a cabeça negativamente logo depois. — E, ah. Se pudesse colocar uma cereja e chantili em cima eu adoraria. — Minha voz era meiga e eu parecia uma criança pedindo aquelas coisas, pois meus olhos brilhavam só de imaginar.   

Logo, voltei a fitar o meu acompanhante e percebi a ausência da garçonete ao lado da mesa. Escutei suas explicações com atenção e ri baixinho em meio às palavras. — Na verdade, eu vim para uma exposição de arte contemporânea que estava tendo aqui, mas quando cheguei lá percebi que havia visto a data errada. A galeria estava fechada e isto me aconteceu. — Olhei para o meu próprio corpo e segurei meus cabelos com as mãos, indicando a umidade que ainda era notável em mim. — Acho que estou no rank das pessoas mais azaradas e desatentas desse mundo. — Revirei os olhos, apoiando-me na mesa sobre os cotovelos.

Não demorou muito para que um sorriso envergonhado se formasse em meus lábios. estes curvavam-se e simbolizavam a minha reação ao ato do maior, que me olhava, fazendo minhas bochechas corarem novamente.  — Ficou mesmo? — Arqueei as sobrancelhas e direcionei meu olhar para cima na tentativa falha de ver o chapéu. Ri comigo mesma e me senti um pouco idiota por estar fazendo aquilo. Recuperei-me e logo retomei a minha atenção ao garoto, analisando-o minunciosamente. — Se ficou realmente bom irei querer um igual. Ou este aqui mesmo, quem sabe. — Segurei a peça com ambas as mãos e sorri de maneira sapeca, brincando com ele.

Com toda a certeza, o sorriso que surgia em meio aos meus lábios naquele momento era largo; tão largo que cada canto dos lábios poderia atingir uma orelha. Ele me daria o chapéu. — Você está falando sério? — Perguntei em tom desconfiado, desejando que o rapaz não percebesse o tamanho de minha felicidade perante sua antiga frase. Inibi o sorriso e deixei que meus olhos fitassem os dele como uma resposta ao que ele fazia.

"Eca, ele está comendo ela com os olhos" Acho que naquele momento a minha careta de nojo foi perceptível. Xinguei baixinho em alemão para que ele não escutasse e revirei os olhos, abaixando a cabeça por estar constrangida com aquela cena. Com aquilo, o chapéu caiu sobre minhas mãos, e eu pude novamente sorrir, ainda mais por ter aquela bebida com cereja e chantili na minha frente.

— Obrigada. — Acenei com a cabeça para a garçonete e voltei minha atenção ao cappuccino. Meus dedos entrelaçaram-se à asa da caneca e a guiaram até meus lábios, onde pude degustar daquele negócio que estava absolutamente delicioso, mas quente. Fiz careta novamente e repousei o objeto sobre a mesa, fitando os olhos de Kevin.

— Sim, Deus está no comando, se ele quis isso, eu aceito. — Falei naturalmente e ri baixinho com o que ele dizia. — Ah, meu Deus, muito obrigada por ter feito com que eu me encontrasse com esse menino Kevin que adora café quente e adora queimar a língua. E que me deu esse chapéu lindo que eu adorei. — Disse em um tom brincalhão, olhando para o teto e juntando as mãos como se estivesse rezando.

Logo, voltei a olhá-lo nos olhos, sequer percebendo que o mesmo estava com o dedo na minha bebida, e agora, meu rosto estava sujo de chantili.  — Ei! — Fiz uma cara de brava, mas por dentro eu estava dando risada. Assim, movi a pontinha de minha língua até que alcançasse os resquícios de chantili, deslizando-a pelo meu lábio inferior em meio ao trajeto. — Eu deveria ter feito você limpar isso. — Resmunguei, pressionando os lábios e limpando o que estava sujo.

No entanto, resolvi revidar o ato alheio, sujado o meu indicador com um pouco daquela substância branca e cremosa e aproximando-me dele sobre a mesa. — Você é tão bonitinho, sabia? — Sujei a ponta do nariz dele com o que estava no meu dedo, voltando a minha posição inicial, dando risada. — Ainda mais com esse nariz de palhaço branco. — Sorri com o canto dos lábios, voltando a beber meu cappuccino como se eu não tivesse feito absolutamente nada.